nunca foi questão de esperar virar uma pessoa diferente. na verdade, é um pouco mais sutil: quase uma previsão meteorológica de metamorfose. você nunca quis ser alguém diferente, mas passou a vida achando que isso aconteceria. em seus atos imaginados, há traços que não são seus. você sempre desconhece a forma que reage; sempre espera demais de seu coração ansioso. é muito, extremamente, fácil de acreditar no conto de ser primavera. quem não quereria ser primavera? flores penduradas nos cabelos e todo o resto, a pele verde delgada e a conjunção de cores de uma estação que parece não se cansar. sem descanso, brilhante, multicor, conectada com a Terra de todas as formas possíveis, das plantas em silêncio ao zumbir das abelhas. de uma hora para a outra, assistindo o mundo inteiro, fica parecendo que essa é a única forma de existir. até que suas flores mal abrem, até que as suas folhas caem antes de nascerem e, apesar disso, você deseja por um segundo se vestir com todas aquelas cores, eternamente ausentes em sua palheta de colorimetria pessoal. é questão de aceitar: você esteve sempre à flor da pele, mas jamais poderia ser primavera. você levou anos para aceitar o outono, que mora nesta estação, com os momentos perdidos de sol claro e sombras frias, com as roupas meio termo e as alterações climáticas ao longo do dia. e com suas folhas, eternamente, caindo, seus tons beges se misturando à multidão. te ensinam que você precisa ser vista para existir, mas a vida funcionou muito bem para você até agora, vivendo do lado de dentro. você gasta tempo e energia construindo caixões de tudo que não é, mas queria ser. lixa a madeira que abrigará as palavras que jamais diria, as ações que jamais tomaria, matando e enterrando a esperança de uma decoração florida na sua vida, porque essas coisas não podem existir. e o outono é conforto: você pode entrar em uma sala e habitá-la como o vento. pode existir na sua insignificância, onde está eternamente à salvo, onde a paz reina e você não precisa se explicar para si mesma sobre a bagunça que tem se tornado depois que alguém colocou os olhos sobre você. você está perfeitamente bem neste lugar onde ninguém consegue alcançar. até que não. até que sou vista. e não importa o quão bem enterrei todos os corpos, não importa o quanto me perdoei por nunca florescer em multicor, existem flores que desabrocham no outono. nós fomos encontradas.
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Uau.. Existem flores que desabrocham no outono, e eu sinto que talvez também seja como elas. Lindo texto, amiga! Seu talento na escrita alegrou o meu dia ❤️
lindíssimo, me tocou muito🩷